quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Só existe sorte para quem está preparado

Será que se pode dizer que algumas pessoas têm por natureza mais sorte do que outras? No mundo empresarial, será que algumas empresas são mais sortudas que outras? Entre países, será que alguns por sorte se encontram mais desenvolvidos do que outros?
Movidos pela fatalidade e por vezes desprovidos de qualquer tipo de solução à vista é comum e humano pôr-se as mãos na cabeça, a reclamar por não ter sorte na vida e perguntando desesperadamente afinal o que fazem os outros para prosperar.
Tenho conversado muito sobre o assunto com o meu amigo Clemente Bata, autor do livro “Retratos do instante”, que me contou histórias interessantíssimas. Nos anos 80, as escolas enviavam alunos a empresas e aos centros de produção a fim de desde cedo descobrirem a vida profissional e se familiarizarem com o trabalho, o que foi muito benéfico. Clemente Bata, o Metinho, como lhe chamávamos de pequeno, foi destacado na altura para estagiar na lendária TPM (Transportes Públicos de Maputo). Na companhia de outros meninos da sua idade ele se apresentava todas as manhãs no hangar dos TPM para acompanhar o trabalho dos mecânicos. Como estes últimos chegassem amiúde depois dos meninos, alguns deles descobriram enquanto aguardavam a chegada dos técnicos um divertimento bastante revelador: entrar nos “Hungrias” como se chamavam os autocarros importados da Hungria e procurar coleccionar moedas. É assim que no final do dia conseguiam um dinheirinho suficiente para comprar bolinhos e rebuçados. O comentário que faziam os outros meninos que não tinham o hábito de entrar nos autocarros é que aqueles que apanhavam dinheiro tinham muita sorte.
A sorte parecia uma dádiva, uma bênção destinada especialmente àquele grupinho de miúdos que conseguiam apanhar dinheiro. É o que pensava o Metinho quando era pequeno. Mas será que aqueles meninos conseguiam moedas somente por uma questão de sorte? Por analogia, as grandes empresas prosperam somente por sorte? Os países por seu turno progridem e se desenvolvem por sorte? Será por má sorte ou azar que alguns não se desenvolvem?
Tanto entre países como entre empresas ou pessoas há vários factores, desde geográficos, socioeconómicos, até psicológicos que podem explicar as disparidades. E podemos até conceber que a falta de sorte seja uma explicação válida.
Mas que dizer de alguém que sai de casa sem se informar do estado do tempo e de repente começa a chover? Que dizer de alguém que antes de se pôr à rua se informa sobre a previsão do tempo, sai e começa a chuver mas não se molha porque leva um guarda-chuva?
Na verdade, se bem que exista, a sorte não aparece por acaso, sem que nos organizemos. Aqueles meninos conseguiam coleccionar moedas para comprar doces porque se organizavam e, diariamente, ao entrarem nos autocarros já sabiam qual era a missão: procurar as moedas que por alguma eventualidade alguém teria deixado cair. A sorte prepara-se, antecipa-se muito tempo antes e cuidadosamente. A sorte só tem sentido para aqueles que estão preparados. A sorte é como o vento, o vento só é favorável para quem sabe para onde vai. A sorte é como uma oportunidade, ela prepara-se minuciosamente. Noutras palavras, os que têm projectos dão-se melhor que aqueles que não os têm. A organização que não tem projecto não tem nenhuma chance de realizá-lo.
Para ter-se sorte, quer dizer tirar o melhor das oportunidades que nos surgem, é preciso vislumbrar o panorama de todos os cenários possíveis, ponderar escolhas avisadas de entre os cenários e prosseguir um caminho de desenvolvimento que pode estar sujeito a mudanças, a mudanças de ventos, não só favoráveis, mas também contrários.
Os peritos em administração aconselham a todos aqueles que estão à procura de oportunidades quer sejam pessoas, instituições, empresas públicas ou privadas a inscreverem a sua missão deliberadamente numa perspectiva de projectos concebidos em volta de uma visão global da mudança para articular e tornar coerentes entre si todas as acções locais, através da prática de uma forma adaptada de gestão de recursos humanos e materiais. O motor principal da mudança nas organizações se situa no projecto e na procura colectiva da sua identidade, cultura, finalidades, política e seus objectivos.
Moçambique como país tem grandes chances de conquistar a sua sorte na luta pelo desenvolvimento. Há muitos sinais que indicam nesse sentido. Depois de ter sido considerado um país problemático e miserável, Moçambique é agora citado mundialmente como exemplo de sucesso na luta contra a pobreza. O caminho pode ser longo e sinuoso como em qualquer processo mas existe vontade de viragem e um chamamento para aprendermos os caminhos da mudança. Basta continuarmos a nos preparar, isto é, a planearmos o desenvolvimento e estarmos vigilantes em relação aos caminhos, avaliando continuamente as estratégias. Os agro-economistas já alertaram para o facto de estarmos a aproveitar apenas 10% dos 36 milhões de hectares de terra arável. É preciso aumentar progressivamente as metas de produção e variar as culturas. Se em cada unidade produtiva colocarmos os procedimentos e absorvermos as ideias dos trabalhadores para o melhoramento dos desempenhos estaremos assim no caminho da sorte. Moçambique pode ter sorte como país, pois tem um projecto, a “Agenda 2025” que as novas gerações devem estudar para percebermos e nos apropriarmos do sentido da viragem!

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In Jornal Público ed.89,pag.06

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