O telefone celular é sem dúvida uma das inovações mais revolucionárias que vêm marcando a humanidade desde os finais do século XX. Praticamente, nenhum país do mundo ficou alheio às vantangens do uso deste magnífico meio de comunicação que está a mudar radicalmente os hábitos das pessoas em vários aspectos.
Em Moçambique, contrariamente ao que sucedia até aos finais dos anos 90 em que somente um grupo muito limitado de pessoas utilizava o telefone fixo, a partir do início deste século, graças à expansão progressiva dos serviços de telefonia móvel da cidade de Maputo às capitais provinciais e aos distritos, assiste-se hoje a uma verdaderia massificação do uso do telefone com todas as vantagens que isso traz para o desenvolvimento. São inúmeros os atributos de um telemóvel: pode-se efectuar transações bancárias, enviar e receber mensagens, registar fotografias e filmes, ouvir e gravar música, navegar na Internet, etc. Da mesma forma que o celular proporciona vantangens a pessoas honestas, variadíssimas vezes foram reportados casos de furto, extorsão de bens, rapto de pessoas, espionagem e atendados contra pessoas e Estados com recurso ao uso do telemóvel. Aliás quem não se lembra do líder Tchetcheno, Doudaiev, abatido via telefone celular em 1996!
Foi sem dúvida a pensar na segurança dos Estados e na protecção dos indivíduos que nos países desenvolvidos e nalguns em desenvolvimento, incluindo na região, foram tomadas precauções para minimizar os riscos de aproveitamento deste meio de comunicação para fins alheios. Uma das precauções é o cadastro de utilizadores como pre-requisito de acesso ao serviço, cuja tecnologia permite o registo e controlo das comunicações efectuadas.
O universo de clientes das duas operadoras, a mCel e a Vodacom no sistema pré-pago, estima-se em seis milhões. O acesso ao uso deste serviço era livre no sentido em que nenhuma forma de identificação era exigida na aquisição tanto de um cartão inicial e muito menos de um telemóvel, contrariamente ao tratamento dado aos clientes do pós-pago, vulgo contrato, cujos dados vêm sistematicamente sendo cadastrados como condição prévia a qualquer uso.
Mas o Ministério dos Transportes e Comunicações acaba ao abrigo do diploma datado de 10 de Setembro de estabelecer a obrigatoriedade de os operadores de Serviços Públicos de telecomunicações criarem uma base de dados que contenha os números dos subscritores e informação associada aos mesmos. Em princípio até 15 de Novembro todos os utilizadores deverão estar repertoriados sob o risco de não poderem utilizar mais os seus números.
A decisão é justa apesar de pecar por ser tardia. No entanto algumas pessoas já levantam preocupações quanto às eventuais derivas do uso indevido de informações privadas para fins alheios. Mas não parece que a garantia do direito à privacidade dos clientes esteja em perigo neste processo, se considerarmos a experiência com o serviço pós-pago. O que está em causa e que nos deve preocupar deveras é a maneira como adoptámos e aplicámos as inovações no nosso país. O que nos deve preocupar é a maneira como damos a impressão de continuar a colocar a carroça em frente aos bois.
O peso da legislação inibe a inovação. Para se adequarem aos processos, as leis podem ser reformadas, mas nenhuma inovação pode ser aplicada sem o respeito das leis ou a formulação de regulamentos adaptados.
Na adopcção desta inovação revolucionária, o telemóvel, parece ter-se optado mais pelos ganhos e foram de vária ordem: em termos financeiros, se bem que cegamente e de forma oportunista, do tipo mamem, a porca está a dormir; infra-estruturas instaladas; empregos criados; zonas recôndidas desenclavadas; milhões de pessoas a comunicar. Mas tudo isto sem uma reflexão séria sobre a protecção do nosso património e sobre todos os impactos colaterias que esta tecnologia podia trazer. Parece ter havido também um grave defeito de aprendizagem, sob reserva de benefício da dúvida, na medida em que as eminentes inteligências que viram as vantagens do celular não terão tido o cuidado de fazer o levantamento de todas as medidas associadas à sua comercialização e que deveriam ser levadas em conta, nomeadamente em matéria de segurança.
Os efeitos colaterias do telemóvel remetem-nos a uma série de reflexões sobre as estratégias de desenvolvimento que estamos a seguir. As inovações continuarão a surgir e teremos que adoptá-las, mas não podemos entrar em mudanças sem verificar os procedimentos e sem instalar sistemas eficientes de aprendizagem. Há sinais que revelam um disfuncionamento total entre os sectores. Não parece estar a haver um trabalho de equipa, baseado numa visão de sistema. Estamos num diálogo se surdos. Os políticos estão preocupados com a retórica. Os técnicos e engenheiros trabalham nos seus gabinetes sem comunicar com o legislador. O legislador não dialoga com os serviços de informação. A massa crítica, os académicos e a Sociedade Civil não são ouvidos. Os comités interministerias, os conselhos técnicos deixam-se extravazar. Não temos a interface entre os sectores, faltam-nos coachs! Estamos todos mais preocupados em fazer negócios e cada um quer abrir a sua lojinha para vender telemóveis.
É urgente que comecemos servir o povo de verdade, tanto mais que os problemas estão-se acumulando. Agora temos uma legião de seis milhões de clientes por recensear, com o agravante das deficiências do sector da identificação civil que não consegue emitir BI’S para todos! Não precisávamos de levar dez anos para decidir fazer o trabalho que devia ter sido realizado a montante. 15 de Novembro é um prazo muito apertado para corrigir um problema que já tem barba branca. Deve-se evitar devolver à pobreza aquela avozinha que já se sentia rica por falar ao celular, retirando-lhe o direito por falta de documentos!
É urgente que comecemos servir o povo de verdade, tanto mais que os problemas estão-se acumulando. Agora temos uma legião de seis milhões de clientes por recensear, com o agravante das deficiências do sector da identificação civil que não consegue emitir BI’S para todos! Não precisávamos de levar dez anos para decidir fazer o trabalho que devia ter sido realizado a montante. 15 de Novembro é um prazo muito apertado para corrigir um problema que já tem barba branca. Deve-se evitar devolver à pobreza aquela avozinha que já se sentia rica por falar ao celular, retirando-lhe o direito por falta de documentos!
Para conseguirmos a viragem, temos que parar de andar como o carangueijo, a zig zag. Temos que ser vigilantes nos caminhos que seguimos. Ser vigilante significa organizar os sectores como uma equipa que reflecte em conjunto nas estratégias, simula as tácticas, informa-se dos riscos, gere as ameaças e protege o património, rumo ao desenvolvimento.
"Participe enviando textos e comentários sobre as diversas categorias neste espaço que é nosso"
in Jornal Público ed.88,pag.06
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