quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

O Mau Cheiro



As organizações quando pretendem realizar estudos e engajar novos projectos, geralmente recorrem a especialistas designados de consultores. Há geralmente um dilema sobre a origem do consultor: ele deve ser interno ou externo? Uma escolha que parece muito difícil, mas não é tanto assim. Ambos têm vantagens e inconvenientes. Tudo depende da natureza do estudo ou do projecto a desenvolver e das competências necessárias.
Mas muitas vezes vale a pena optar por consultores internos, trabalhadores da organização que a conhecem mas que apesar de estarem por dentro conseguem adoptar, ao mesmo tempo, um olhar externo ao ponto de sentirem o mau cheiro, aquele smell ao qual estamos tão habituados ao ponto de passar despercebido.
Ao mesmo tempo, optar por um consultor interno é uma forma de reconhecer o desempenho dos bons trabalhadores, encorajando, incentivando, emulando até financeiramente aqueles que merecem pela dedicação que dão às suas organizações.
De todas as maneiras, a optar pelo consultor externo, nenhum estudo, nenhum projecto terá sentido, muito menos sustentabilidade sem o envolvimento dos colaboradores da organização, especialmente dos consultores internos que fazem a ponte do processo. Mas lá está, estes últimos actuam em condições de trabalho muitas vezes mal reconhecidas ou então sem nenhuma valorização.
Uma solução definitivamente viável é a de envolver dois consultores, sendo um interno, responsável pela adequação do estudo à realidade e visão da empresa e outro externo responsável do programa, conduzindo o processo de consultoria, co-produzindo conhecimento com os demais colaboradores, trazendo e transferindo know how a organização que pretende engajar mudanças.
Com isto, uma das primeiras tarefas dos consultores é detectar a cultura, as mentalidades, os sistemas, as políticas e acima de tudo, os maus cheiros. Isto quer dizer, tudo aquilo que parece normal para os actores, à todos os níveis, mas que constitui justamente o nó de estrangulamento, aquilo que precisa ser atacado na base, nas raízes e profundezas.
Quando eu me achava chique, só frequentava restaurantes chiques. Não me sentia bem nas barracas e tascas, não por ser chique, porque afinal era um chique moderado, tipo burguês de talento que consegue se adaptar as situações, mas sim por causa das condições de higiene. 

É que perdia apetite a cada vez que ia aos sanitários, quando houvesse, claro!
Veio o tempo do realismo, entretanto as tascas e barracas foram melhorando e já conseguiam algumas ter WC mais ou menos acessível, com água corrente. Realismo obriga, quando se cai na real, começa-se a aceitar algumas coisas!
Devido a distância que me separa dos centros urbanos, onde as condições dos restaurantes são aliás, muitas boas, vejo-me muitas vezes obrigado a frequentar as casas de pastos suburbanas, onde as bebidas são muito bem refrescadas mas continuamos em muitos casos com o eterno problema da higiene, sobretudo o problema dos sanitários.
Na semana passada fui cortar cabelo, ah sim, já não corto nos salões chiques, são onerosos e ficam fora da mão. Num dos salões, senta - baixo onde costumo fazer a barba, alto barbeiro: por 20 meticais saio satisfeito - encontra-se ao lado um bar de referência - os petiscos, a dobrada com tripa, sem comentários!
O problema começa quando me apercebi pelo nariz de um mau cheiro. Donde vem? Da latrina do vizinho que vive entre o barbeiro e o bar.
Consultor tem que detectar mau cheiro não é? Dirige-me a ambos, ao barbeiro e ao dono do bar. “Amigos há um mau cheiro aqui!” A resposta que recebi foi de lamentação do dono do bar- pouxa! Quanto ao barbeiro, disse-me indefeso: “ o smell, sim boyce, mas nós estamos habituados, até já nem sentimos o cheiro!”.
Há muitos maus cheiros, não só nas redondezas da barbearia e do bar a que me refiro. Maus cheiros são problemas graves, atentados a saúde pública, mas vai muito além disso, é corrupção, é cabritismo, é preguiça que devemos combater.
Entretanto há muitos trabalhadores honestos, competentes e dedicados a vida das suas organizações que não são escutados nem considerados. Resultado, contratam-se grandes consultorias, geralmente externas e nada muda.
As nossas escolas devem ser limpas, os nossos hospitais, enfim as nossas casas e todos os estabelecimentos públicos e privados devem ser locais limpos e bem conservados.
Ninguém deve aceitar viver com mau cheiro como se isso fosse normal. Tem que haver intervenção rápida de quem de direito. Nos bairros, alguma autoridade deve zelar pelo respeito das boas práticas de higiene nas barracas, nos mercados, nos cabeleireiros onde frequenta a maioria da população deste país. Não se pode aceitar que uma escola, uma universidade, um restaurante funcionem sem uma casa de banho com água corrente e digna do nome!
Afinal o que é a qualidade de vida? Não é também a satisfação de passearmos tranquilamente nos mercados a consumir alegremente pão com badgias e sem nenhum receio? Não precisamos de contratar grandes auditorias internacionais para virem nos ensinar que a garantia da qualidade dos serviços e produtos começa pela capacidade de escuta dos nossos sentidos sensoriais. Temos que confiar nas nossas próprias forças, os resultados e a vitória em muitas frentes só dependem da capacidade de absorção da inteligência colectiva de que dispomos. Lembremo-nos o trabalho COLECTIVO e VOLUNTÁRIO!

"Participe enviando textos e comentários sobre as diversas categorias neste espaço que é nosso"


In Jornal Público ed.95,pag.06

Sem comentários:

Enviar um comentário