segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A grande represa


Num momento em que centenas de milhar de moçambicanos enfrentam dificuldades extremas devido às cheias e inundações que assolam as bacias dos demais cursos de água que abundam nas zonas sul e centro, não seria de bom tom vir a público tecer críticas a quem quer que seja.
Não é bom rir do canoeiro que se afoga enquanto ainda não atravessamos o rio. No entanto, não podemos deixar de aproveitar o contexto para fazer um pequeno balanço. Não dos danos provocados pelas cheias nas vidas das populações circunvizinhas às zonas afectadas e consequentemente ao próprio processo de desenvolvimento do país, mas sim um balanço dos planos, longos anos e várias vezes anunciados para um melhor aproveitamento da água das chuvas em Moçambique. Um país banhado a jusante por grandes rios que vêm desaguar no Oceano Índico. 
Muitos de nós não sendo especialistas em agronomia ou em engenharia de construção e muito menos em engenharia ambiental, remetem-se, através deste artigo, às questões técnicas aos estudiosos assim como ao decisor político a quem recaem em última instância as responsabilidades pela definição e execução dos planos, e traz-se de novo à ribalta o grande programa de construção de represas, sobretudo naquelas zonas onde a água chega a escassear até provocar seca ao ponto de dizimar pessoas, animais, plantas, etc. parando por completo o desenvolvimento.
Se bem que tenham sido realizados estudos a montante do discurso político. Se tais estudos de engenharia e de impacto ambiental tiverem revelado alguma viabilidade num programa de construção de represas e de outras formas de conservação de água para o consumo humano e para a agricultura como é que continuamos a explicar a falta do precioso líquido num país em que chove tanto? Como é que se explica que após dias de chuvas torrenciais falte-nos água até para as necessidades mais elementares como beber e se lavar?
Constata-se infelizmente que os dispositivos não foram colocados no lugar e que de maneira geral, as mentalidades não evoluíram como seria de desejar, num sinal evidente de que muita coisa ainda vai mal nos programas de desenvolvimento estratégicos que são anunciados.
O pior é, para a maior desolação de todos nós, observar-se que depois das grandes campanhas de comunicação entre 2005 e 2008, se quer quase não se fale mais de construção de represas, a menos de se estar a usar outra terminologia para designar o mesmo projecto. Do que se ouve e se vê, até prova do contrário, exceptuando poucas organizações não-governamentais, que encetaram iniciativas e parcerias, nomeadamente em Tete e Manica, que tivemos a oportunidade de apreciar pela televisão, na prática, nada existe que se veja a olhos nus.
O grande paradoxo é daqui por algum tempo entrarmos em período de estiagem e andarmos à procura de apoios para as populações de Mabalane, Mabote, Mopeia, Morrumabala, etc que morrem à fome devido à seca.
Entre nós existe, obviamente, a convicção de que a seca é um fenómeno natural e que não se pode sempre lutar contra a fúria da água das chuvas. Mas, a apoiar o projecto de construção massiva de represas como uma solução aceitável, ninguém mais consegue conceber que em Moçambique escasseie água sistematicamente.
Várias represas podiam ser edificadas para desviar, conservar e aproveitar as águas dos rios Limpopo, Save, Púngue, Zambeze, Chire, Rovuma, etc. que não conseguimos conter nos períodos chuvosos. Estas preocupações e propostas não podendo passar indiferentes, obrigam a lançar perguntas a todos e ao Governo em particular, a saber:
Quantas represas já foram construídas desde que se anunciou esta ideia há sensivelmente 6 anos atrás? Qual foi o impacto da implantação das referidas represas para as populações? Vale ou não a pena apostar nesta ideia em pequena escala para depois avançarmos em grande dimensão, construindo as grandes auto-estradas da água das chuvas como temos conseguido fazer com as auto-estradas da comunicação?
Infelizmente e em muitas matérias ainda continuamos com o dom de identificar os problemas e encontrar as possíveis soluções mas sem termos a inteligência e a coragem de ir à procura dos resultados que somente de nós próprios dependem. Isto já dura há muitos anos e repetimos os mesmos erros como se fossemos incapazes de aprender e aplicar a nossa experiência. As consequências são nefastas: Perdem-se muitos recursos, os problemas acumulam-se e as soluções tornam-se praticamente insustentáveis a médio prazo.
Ousemos experimentar, mas primeiro planeemos muito bem. Façamos os devidos ensaios, tanto quanto for preciso e rápido para decidirmos com conhecimento de causa. Coloquemos na direcção indivíduos competentes, responsáveis e bastante preocupados em ver as coisas de facto a mudar. Temos que virar, colocando a nossa inteligência, através de acções, ao serviço dos nossos grandes sonhos. Se for necessário, visitemos e apliquemos as melhores práticas observáveis em outros países, onde se produz todo o tipo de comida em zonas áridas. Se não soubermos escutar as nossas aspirações, continuaremos ignorantes por mais algum tempo, a lamentar e à espera da ajuda de alguém que nunca virá produzir arroz para nós!

In Jornal Público ed.102,pag.06

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