segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Finalmente um pouco de indisciplina



 Um país precisa, por um lado, de um mínimo, se não mesmo de muita ordem e organização para poder crescer. Por outro, por mais paradoxal que possa parecer, precisa também de alguma dose de desordem ou mesmo de desorganização organizada para poder crescer mais ainda.  
Há neste conflito dialéctico entre disciplina em relação à ordem estabelecida e o espaço que se deixa para a confrontação do paradigma, o reconhecimento de que o progresso não se constrói numa só voz, mas pela pluralidade de vozes, até dissonantes que podem reencontrar-se em sintonia.
Contrariamente ao que se pensa, que nos países do ocidente, cada um diz e faz o que pensa no seio das instituições, incluindo no próprio governo, a experiência mostra que a natureza humana tende a reagir de maneira quase similar face à confrontação de pensamentos políticos, independentemente do nível de desenvolvimento dos países. 
Basta recordar que durante a guerra do Golfo no início dos anos 90, o ministro francês da defesa, teve que se demitir por contrariar a decisão do governo de François Mitterrand de enviar tropas ao Koweit, tendo formulado a declaração, traduzida - “um ministro deve saber calar a boca ou vai à rua”, tornada célebre nos meios políticos por bem resumir a conduta que qualquer subalterno deve adoptar perante a sua hierarquia.  
Na verdade, geralmente as organizações tendem a não ser muito permissíveis à confrontação de ideias e muito menos ao novo, sobretudo, quando este não emana da iniciativa do grupo que detém as rédeas.
Nestas condições todos aqueles que aspiram a ser cooptados na organização ou vir a assumir posições de destaque não costumam ter outra escolha, senão a de respeitar a ordem estabelecida. 
Os que ousam confrontar, trazendo novas abordagens, contrariando deste modo o paradigma – o modelo vigente, embora tendo o mérito de fomentar a inovação, são geralmente catalogados de bárbaros e marginais ao ponto de se verem excomungados. São expulsos, perdem imediatamente o pão ou então a chance de um dia alcançar posições de destaque.
É mundialmente aceite que quem determina a ordem e garante o seu cumprimento são os partidos políticos, as instituições, o governo e os órgãos de soberania, etc. Da inteligência das principais forças vivas dependerá a criação de espaços para que a inovação encontre seu viveiro e se mudem as coisas no interior do próprio paradigma, por forma a se alcançar mudanças na nossa sociedade. 
Se for necessário, ter-se-á que aceitar engolir sapos vivos em relação àquilo que seriam regras voluntária ou involuntariamente pré- estabelecidas ao ponto de permitir deliberadamente que novos procedimentos e formas de estar em política sejam postas em prática para se sair da crise e rumarmos por um desenvolvimento cada vez inclusivo e sustentável. 
Contra factos não há argumentos, apesar de se dizer que nem toda a verdade deve ser revelada. Porém, um sistema mal informado, à semelhança de um indivíduo a quem o médico não revela o seu estado de saúde, acaba por não adoptar a conduta que seria de desejar face a determinadas situações, principalmente, em caso de crises.
Por isso, é de louvar àqueles que ousam apresentar frontalmente os indicadores quantitativos e qualitativos de que os decisores não podem prescindir. Simultaneamente, encoraja-se aos promotores de mudanças a não fazer de contas, só para o inglês ver, mas a manterem-se fiéis aos ideais de servir, assumindo os riscos que se impõem, realizando estudos e ajudando a desenhar planos que se saldem por resultados de impacto. 
Ventos já sopram para a mudança. Ecos ouviram-se das três gerações reunidas no painel de 5ª a Noite na TVM, dia 03 de Fevereiro que em diapasão exaltaram Samora Machel, mas também a necessidade de mantermo-nos críticos e proactivos com a coisa pública. 
Parabéns para Ernesto Gove, governador do Banco de Moçambique que, finalmente, veio em pleno Conselho Consultivo romper com o discurso clássico de que a crise financeira internacional não nos afectaria, tendo ousado assumir que as medidas não foram suficientes. Bravo ao Reitor da A Politécnica que já nos habituou a pôr o dedo na úlcera e voltou à ribalta numa entrevista ao Jornal o País, ainda mais contundente ao alertar para que a competência técnica não seja descurada em nenhum momento decisório, particularmente no que tange à exploração dos recursos naturais de que somos depositários.
Estas duas personalidades lançaram uma nova era no fazer política pública rompendo com dogmas.
Ernesto Gove já é das grandes lides. Deve aspirar a manter-se ou alcançar outros patamares. Por sua vez, Lourenço do Rosário, voz sonante da sociedade civil, muito próximo das grandes lides, é um potencial que deve aspirar a posições de destaque. Mas neste início de 2011 ousaram dizer alto o que muitos pensam baixo, rompendo com a famosa disciplina que nem sempre é válida, como se não tivessem receio de perder o famoso tacho. 
É que ganham-se combates aplicando estratégias aprimoráveis consoante as situações. Os sucessos do passado devem ser capitalizados, mas Moçambique de hoje já não funciona com receitas de 1980. É preciso reconhecer. Temos todos que aceitar que o segredo do sucesso está na capacidade de aprendizagem permanente da mudança e que não pode haver progresso sem um pouco de indisciplina. Claro, no respeito das pessoas, do bem comum, da lei e das instituições, etc!

In Jornal Público ed.100

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