segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Transportes públicos: saber ouvir e saber aplicar


Muito pressionado pela ressaca das festas de final de ano e já com o bolso completamente roto, típico de qualquer cidadão pacato por estas bandas, foi com um grito de exaltação e à procura de uma salvação que me dirigi ao meu amigo Chabane, comerciante ambulante que a pé ou a bicicleta vai vendendo brindes e outros objectos de adorno para sobreviver:
Afinal qual é o segredo para ganhar dinheiro na vida? Saber ouvir e saber aplicar. Foi a resposta e a lição muito simples que Chabane, me transmitiu.
Vinda de uma pessoa que considero humilde, honesta e sábia, que goza aliás do privilégio de ter sido quem me prognosticou a vitória fenomenal de um homem chamado Barack Obama que se tornaria Presidente dos EUA, quando as primárias americanas acabavam apenas de começar, não parece do todo inútil partilhar esta lição de gestão, sobretudo nesta fase em que se procuram modelos para os problemas que se agudizam.
Saber ouvir e saber aplicar é uma lição que pode ser válida em diferentes domínios e níveis de responsabilidade, tanto na esfera pessoal como na pública. A bom do progresso económico e social, como Chabane, devem haver muitos mensageiros que vale a pena escutar seriamente. 
Neste início de ano, o sector dos transportes públicos, particularmente, na capital do país, é um dos que mais se ressente de dificuldades:
As pessoas que já se faziam transportar em condições precárias nos chapas, vulgo transporte semi-colectivo, depois de verdadeiras cenas de pugilismo para conseguirem um lugar, regridem em privilégios e lutam agora para um lugar em camionetas de fortuna, para à semelhança de caprinos e bovinos viajarem empoleiradas 2 a 3 horas em trajectos de aproximadamente 15 km que não deveriam, portanto, exceder 45 minutos. 
Nestas linhas não se pretende arremessar pedras por cima do tecto do vizinho e muito menos apontar bodes expiatórios, nem culpados, se bem que existem. Não se procuram muito menos messias encarnados no bom Edil ou no melhor Ministro que seria capaz ele só de resolver os problemas dos transportes em Maputo e em Moçambique. Vamos mais pela lógica do abandono!
Abandono, não da missão principal de servir, mas sim de práticas e rotinas que não trazem valia nenhuma. As rotinas culturais típicas começam pelo discurso da insuficiência dos meios e da falta de dinheiro, quando a maioria das soluções não implicam necessariamente dinheiro. A rotina exacerba-se quando se desenham planos e fica-se à espera de dinheiro que nunca chega e sem vigiar as evoluções no terreno, isto é, as novas demandas. Em resultado acontece que os problemas vão se acumulando podendo levar a uma ruptura de sistema da qual geralmente somos todos vitimas.
Maputo que foi sempre considerada uma das capitais mais lindas do continente africano perde agora uma oportunidade de crescer em prestígio, além de dar espaço à insatisfação do público, termómetro da boa governação, ao se revelar incapaz de reunir inteligência para uma melhor qualidade de vida em matéria de transportes públicos, as pessoas vendo-se obrigadas e paradoxalmente já muito satisfeitas de poder chegar a casa graças às camionetas que se tornaram uma solução a crise, que diga-se a bom da verdade, perdura pelo menos desde o tempo que Maputo passou a município.
Saber ouvir e saber aplicar não significa arregaçar as mangas e reagir somente quando de crises se tratam. Não significa muito menos reparar a ponte ou a doca que já mostrava sinais de ruir desde Matusalém, somente quando o acidente acontece e os danos são avultados.
Saber ouvir e aplicar é saber estar à escuta, sobretudo daquele cidadão comum que nos pode fornecer o segredo dos imbróglios. É saber reagir no momento certo, quando mais se precisa, mas acima de tudo conseguir antecipar os problemas e as oportunidades indo deste modo gerindo os riscos e tomando as medidas de mitigação que se impunham.  Com certeza havia muitas outras prioridades, os recursos foram sempre limitados mas as consequências das quais nos ressentimos hoje são o resultado dos planos que não foram desenhados ou foram mal implementados para a natureza e complexidade dos problemas que iriam advir 10-15 anos mais tarde.
Uma cidade mal ordenada e com fraca monitoria dos processos não precisa de um milhar de veículos para ficar congestionada. A consubstanciar, vejamos o que aconteceu na cidade de Inhambane - Praia do Tofo, na passagem de ano. Num troço de menos de 7 km, 3 horas para aceder à praia e mais 3 horas para sair.
Entretanto um amigo meu, passeou tranquilamente de carro em pleno centro de Paris à meia-noite do dia 31 de Dezembro. Claro os contextos, os recursos são diferentes de um país para o outro e de uma cidade a outra, mas podemos viver melhor na dimensão daquilo que temos e somos. Se for preciso repensemos e benchmarking. Acima de tudo, reunamos a nossa inteligência colectiva que existe em demasia e façamos prova de capacidade de escuta e de aplicação das melhores práticas.

In Jornal Público ed.99,pag.06

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