Há sempre um risco de interpretações polémicas quando se discutem ideias forjadas por personalidades públicas de relevo, no caso específico ao mais alto nível do Estado, por envolver a figura do Presidente da República. O risco habitual é de quem as discute se ver catalogado de membro da oposição ou de “lambe botas”.
Na verdade, quando de uma figura pública se trata, todas as invenções são possíveis. Qualquer pronunciamento, por mais ponderado que se pretenda, é sempre passível de comentários a favor ou contra, além dos que se limitam a ouvir no discurso o jogo político-partidário e de interesses pessoais, em detrimento do grupo, subentendido.
Costuma-se dizer também que não há fumo sem fogo. Mas não dominando tão bem certa matéria polémica da politiquice, apesar de reconhecer a sua importância e não conhecendo pessoalmente o Presidente da República, deixemos a detracção de seu discurso àqueles que provavelmente melhor o conhecem. Por outro lado, não conhecendo perfeitamente aqueles que criticam o seu pensamento de mudança, que aliás, devem dar mão à palmatória por não terem até à data apresentado alternativas válidas, não se vislumbra outra opção que a de convidar a não deixarmos em mãos alheias a oportunidade que Guebuza ofereceu ao povo de reflectir profundamente sobre o tipo de desenvolvimento que queremos. O Presidente da República abriu a brecha, ao proclamar uma viragem radical a ser encarnada por uma dada geração aquando de sua investidura para um segundo mandato.
Ao fazer tal convite, apesar de o procedimento não ser muito seguro a medir por algumas caixas de ressonâncias que têm feito muito eco na nossa praça, não iremos até condenar aqueles que apoiaram o discurso de Guebuza aclamando-o mas sem apresentar propostas e quiçá, sem perceber no fundo a sua extensão e essência.
Não deixar em mãos alheias a viragem de Guebuza é evitar que ela desemboque em letra morta. De quem será a culpa? Se continuarmos a ver no discurso somente os interesses pessoais e partidários; se continuarmos a repetir o discurso do Chefe sem propor contribuições válidas; se continuarmos a criticar o discurso do Presidente sem propor alternativas, não há dúvida de que a culpa vai morrer solteira. Isto é, não haverá culpados, com a agravante de não termos aproveitado a oportunidade da reflexão com vista a preparar algo para as gerações futuras, sobretudo.
O mais engraçado é estarmos a caminhar para um novo ano e ninguém mais debate viragem, parecendo até que se está à espera de um novo pronunciamento para contra-atacar. Num país que se quer democrático, onde cada um tem o direito e dever não só de contribuir com ideias mas com trabalho, não parece que seja concludente, andar a vilipendiar as ideias e parar por aí. O pior de tudo é quando num momento de crise profunda se pega no conceito de viragem para caricaturar até sarcasticamente o fracasso de algumas iniciativas, enquanto o sucesso das mesmas implicaria justamente a mudança que se deseja.
Felizmente, o Presidente apareceu sereno mas muito combativo ao pronunciar no dia 12 de Outubro, à volta da nomeação de novos ministros, as palavras-chave da sua governação que já lhe tinham custado muitas críticas. Vincou resultados tangíveis na luta contra o burocratismo, o espírito de deixa-andar, a corrupção e o crime.
O Presidente não pode se dar por infeliz por proclamar a viragem. Sendo o conjunto de inovações e mudanças, a nível local e nacional, que elevarão a qualidade de vida das pessoas, a viragem é urgente e inadiável. Mas como temos tido a ocasião de vivenciar, a mudança mexe connosco nas entranhas, nas profundezas e nas raízes dos problemas. Para conseguir a mudança, quer dizer, a viragem que temos estado a evitar, o processo pode ser longo e sinuoso, mas os resultados dependem da nossa vontade, capacidade e do ritmo que imprimimos.
Mais do que criticar por criticar, pouco importa as cores políticas e os interesses pessoais, revela-se fundamental que contribuamos. Viragem não se limita somente num discurso mas na passagem de um testemunho. Os grandes líderes têm a capacidade de nos dizer you can. Os jovens têm sangue novo e jogam um papel basilar, mas devem apoiar-se na experiência dos mais velhos. Geração da viragem não é um problema de idades, é um estado de espírito fundado em valores. Geração da viragem são todos os homens e as mulheres que acreditam na inteligência que transforma o estado das coisas para o melhor. Devemos revisitar a Agenda 2025, as políticas, os planos nacionais e locais; organizar fóruns, formar comissões, identificar lideranças locais, ONG, técnicos e animadores para nos ajudarem a conduzir os processos da viragem. As perguntas a colocar são muito simples: o que há? O que deveria ser? Como é possível melhorar a situação. As respostas solidificar-se-ão numa prospecção das necessidades e recursos potenciais com as populações, as primeiras interessadas que serão deste modo sensibilizadas e mobilizadas. Alguns projectos deverão arrancar de imediato, enquanto pessoal especializado intervém com métodos científicos para analisar soluções mais amplas e sustentáveis. O “Jornal do povo”, as reuniões dos bairros, as rádios, as televisões, os jornais serão excelentes canais de comunicação para os projectos. Tudo depende da nossa capacidade de aprendizagem tanto cognitiva como relacional, da aceitação de novos actores e de novas ideias, acima de tudo de novas regras, incluindo regras de convivência deixando, por exemplo, uns aos outros mais oportunidades de expressar suas ideias e empreender. Esta regra pode ser um dos primeiros passos da viragem. Não há dúvida de que os dirigentes têm uma grande influência na aceitação ou não dos projectos; Eles é que dão o exemplo e estabelecem a confiança que garante maior adesão.
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In Jornal Público ed.91,pag.06
In Jornal Público ed.91,pag.06
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