Em Fevereiro do corrente ano, visitei a província da Zambézia e escalei o distrito de Namarrói, onde encontrei um professor, por sinal oficial de desenvolvimento comunitário numa ONG nacional que descreveu o actual Primeiro-ministro como uma pessoa demasiado calma. Uma característica que o meu interlocutor considerou imprópria para a função que lhe acabava de incumbir o Presidente da República. “Aquela calma que lhe puseram não dá!”, disse.
Como já havia participado em reuniões dirigidas pelo então Ministro da Educação e Cultura, esbocei um sorriso e respondi-lhe: “Aires Ali não é tão calmo como parece, no mínimo deve ser um falso calmo, porque já o vi expressar com contundência sua autoridade de dirigente, em várias ocasiões”.
Para consubstanciar, todos nós estamos recordados de sua visita, este ano, à mostra de Moçambique na exposição Universal de Xangai na China, onde o Primeiro-ministro não poupou palavras para criticar a fraca pujança da nossa montra naquele salão. Na mesma linha, muito recentemente, no âmbito da preparação dos Jogos Africanos de Maputo, Aires Ali não hesitou a expressar suas críticas e inquietações face ao estágio dos preparativos deste evento continental, a ter lugar no próximo ano.
Todavia, em todas as ocasiões em que o vi “explodir”, havia algo que marcava a diferença: esteve sempre calmo, sem se exaltar e conservou uma certa cortesia em face de seus interlocutores, a quem dava a nítida impressão de se considerar também parte dos problemas em debate.
Embora ficando por provar até que ponto as críticas e inquietações quanto a nossa capacidade organizativa poderão provocar o choque que fará evoluir as práticas, constata-se que aquela calma que aparentava ser um grave defeito, pode se revelar uma boa receita. Uma boa receita de gestão na medida em que o Primeiro-ministro coloca, através do seu estilo, as bases para o estabelecimento de uma confiança mútua entre os colaboradores, favorecendo assim a comunicação e a mobilização dos actores para os objectivos. Saliente-se que estas competências de liderança são parte dos segredos prescritos na maior sabedoria dos grandes livros de gestão.
Num outro registo bastante revelador, Aires Ali colocou perguntas que considero altamente estratégicas. Perguntas sábias que podem levar ao cerne da viragem que se pretende. A capacidade de colocar perguntas, perguntas certas que podem provocar a reflexão e a acção, é outra grande qualidade que podíamos explorar no estilo do Primeiro-ministro.
Vejamos como: Houve muitas promessas, mares de rosas, castelos espanhóis, loiros, etc., que contávamos ganhar com a realização em Junho e Julho deste ano, do Campeonato Mundial de futebol na África do Sul. Se todas as promessas: fronteira única, batalhões de turistas nas nossas praias, grandes selecções a treinar no Estádio Nacional do Zimpeto, etc., foram por água abaixo, há pelo menos uma coisa que nos restava ganhar; o conhecimento. Neste sentido a pergunta de Aires Ali é bastante estratégica, quando nos questiona: afinal o que conseguimos aprender com o sucesso da África do sul na organização da copa do mundo?
Evidentemente que esta pergunta não se dirige somente ao COJA, mas a toda máquina e a todos os actores de desenvolvimento. E cabe-nos não deixar que esta forma de questionamento se transforme numa sequência de perguntas retóricas votadas a letra morta no sentido em que ninguém aparece a incutir uma demarche pragmática organizada.
Ao colocar esta pergunta, Aires Ali remete-nos à uma grande reflexão sobre o nosso dispositivo actual de inteligência competitiva. Muitos são os desafios que se colocam ao nosso país, que exigem a capacidade de desenvolver um dispositivo coordenado de colecta, capitalização e difusão de informações. Ao questionar, o Primeiro-ministro encontra uma maneira de lançar o debate a partir do qual podemos descobrir as estratégias e as soluções dos problemas. Aires Ali acaba assim colocando o tom da orquestra onde todos podem contribuir com seus respectivos instrumentos. A capacidade de colocar perguntas que levam à reflexão e à mudança é uma qualidade de mestre como prescrevem, uma vez mais, os grandes segredos dos livros da administração.
Na verdade os dirigentes não têm eles mesmo as soluções dos problemas. Invés de homens orquestra, eles são chefes de orquestra no sentido em que animam a composição do som no qual todos os instrumentistas, homens e mulheres, contribuem. O que se pede dos dirigentes é a capacidade de escuta e de colocar as perguntas que levem a reflexão e às respostas aos problemas. Os dirigentes devem estar abertos aos questionamentos, devem colocar os procedimentos e alocar recursos para a construção de projectos que emanam dos debates.
Somos 20 milhões e constituímos um mercado, mas vivemos num mundo cada vez mais globalizado, onde as coisas acontecem a grande velocidade. Isto exige capacidade de aprendizagem rápida para fazer face às ameaças e às oportunidades de desenvolvimento que surgem. Calma, discernimento e empatia aliados a alguma dose de autoridade, rigor organizacional e engenharia de projecto, fazem dos líderes de hoje os animadores do dispositivo de gestão de conhecimentos que elevará a qualidade e competitividade das nossas empresas e instituições. Estruturada, coordenada, a nossa inteligência colectiva pode representar uma arma fatal na luta contra a pobreza.
Cabeçalho
A liderança é um factor de eficácia organizacional. Um ambiente de debate aberto no respeito de diferentes abordagens é sempre salutar porque favorece o surgimento de pensamentos que fazem a diferença. Para servir com qualidade, as instituições precisam também de se equipar com dispositivos de aprendizagem. Uma excelente maneira de aprender é respondendo a perguntas. Porém é preciso saber colocá-las. Aires Ali tem sabido colocar as perguntas. Formulam-se votos a um estilo de liderança que possa vir a impulsionar a competitividade das nossas organizações.
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In Jornal Público ed.90,pag.06
In Jornal Público ed.90,pag.06
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